Um teólogo francês, após exaustivas pesquisas, descobriu que Santa Terezinha teve três filhos. A descoberta, absolutamente, não comprometia o prestígio da santa, já que nada mais santo para uma mulher que ser mãe. Mas como constava no seu processo de canonização que ela era virgem, foi nomeada uma comissão no Vaticano para rever o processo. A notícia era só essa. Todos os jornais a publicaram discretamente, como convinha a uma notícia de caráter religioso, numa página interna. Todos não. O
Luta Democrática, antigo jornal carioca especializado em assuntos policiais, estava sem manchete naquele dia. E quem pagou o pato foi a pobre Santa Terezinha. Na primeira página, em letras garrafais, ao lado de uma foto da santa, saiu a seguinte manchete:
“PASSAVA POR VIRGEM”.
Uma questão de estilo.
O Estado de S. Paulo, por exemplo, a despeito de seu atual estágio de dejetório, sempre foi o máximo em discrição. Seu leitor habitual sempre soube que não é o título que o atrairá para a notícia, tal o esforço que o jornal faz (ou fazia) para limpar o sensacionalismo de qualquer notícia. Por exemplo: quando morreu o cantor
Francisco Alves, o Brasil inteiro parou. Todas as emissoras de rádio modificaram sua programação normal para transmitir as músicas do cantor. Os jornais deram a notícia do acidente que o matou em manchete de primeira página. Mas
O Estado de S.Paulo manteve sua discrição e deu a notícia com o seguinte título:
“ACIDENTE NA VIA DUTRA”. Conclusão: leitor do
Estadão que não se interessa por acidentes de trânsito não sabe até hoje que Francisco Alves morreu.
Se para o diário dos quatrocentões da Marginal Tietê o título não é tão importante assim, para quase todos os jornais ele é quase fundamental. Tanto que, pelos idos de 1940, o extinto vespertino
A Noite, do Rio de Janeiro, dava um prêmio de
cem mil réis ao redator que fizesse a melhor machete da semana.
Orestes Barbosa, o compositor de Chão de Estrelas, era redator de
A Noite e ganhou o prêmio numa semana em que deu o seguinte título para a notícia de uma mulher que havia castrado o marido porque este a traía diariamente:
“CORTOU O MAL PELA RAIZ”.
Adultério e castração sempre foram excelentes assuntos para manchetes de jornais policiais. O inesquecível
Notícias Populares, de São Paulo, e
O Dia e
Luta Democrática, do Rio de Janeiro, adoravam um bom adultério e cada um explorava-o à sua maneira. Quando não era encontrada uma frase apenas para vender o assunto à primeira vista, o jornal colocava outra frase, antes ou depois do título. Assim, para um caso de adultério,
O Dia publicou:
“Pensou que era dor de dente mas a verdade era outra... O GEMIDO ERA IMORAL”. Nesta, o clímax vinha na manchete propriamente dita, mas nesta outra, também de
O Dia, vinha na frase subseqüente:
“QUASE FOI CASTRADO A DENTE ...Se não dou meu pulinho para trás, nunca mais...” (a notícia era de um camarada que foi atacado por um cachorro quando este entrava numa casa).
Uma boa técnica de manchete de jornais policiais é a do duplo sentido. O
Luta, só pelo duplo sentido, levou para manchete a simples notícia de uma jovem fora internada em um pronto-socorro intoxicada por um
hot dog:
“CACHORRO FEZ MAL À MOÇA”. O Dia foi um pouco mais sutil na manchete publicada no dia seguinte ao que o cantor
Sérgio Ricardo atirou seu violão sobre a platéia da TV Record, de São Paulo, num de seus festivais de música popular:
“VIOLADA NO AUDITÓRIO”.
Há quem despreze esse tipo de jornalismo. Mas só quem o faz sabe que ele exige um grande esforço criativo, pois as notícias diárias são praticamente as mesmas, só mudam os nomes: assassinatos, acidentes de trânsito, suicídios etc. Apostamos com o leitor: um jornal qualquer, de grande circulação, publicará os seguintes títulos às vésperas de Finados:
“FLORES SERÃO TABELADAS” ou
FLORES NÃO SERÃO TABELADAS”. E mais uma reportagem sobre o preço dos enterros, com um título considerado na hora como um grande achado:
“O PREÇO DO ENTERRO PELA HORA DA MORTE”. É preciso que, anualmente, o secretário de redação dê uma olhada na coleção de jornais dos anos anteriores, para não repetir os titulos. Mas, sem exagerar, para não acontecer o que aconteceu com a
Folha de S. Paulo, que certa vez deu o seguinte título para uma matéria sobre o preço dos enterros:
“JÁ NÃO VALE A PENA MORRER”. Como se um dia já tivesse valido a pena...
O título é importante, inclusive, numa crítica de cinema, teatro, literatura etc. Por exemplo: há muitos anos, quando
José Mauro de Vasconcelos lançou um livro, bastou ler o título da crítica, feita pelo
Jornal da Tarde, para saber que o crítico não tinha gostado nem um bocadinho do livro:
“JOSÉ MAURO DE VASCONCELOS ANDOU ESCREVENDO OUTRA VEZ”.
Os anos da chamada Guerra Fria indicavam um confronto iminente entre Estados Unidos e União Soviética. Os comunistas brasileiros faziam tudo para prejudicar o prestígio ianque no Brasil. É verdade que exageravam de vez em quando, como na prisão do engraxate Zé Bodinho, em Fortaleza, acusado de vender o jornal comunista
O Democrata. Eis a manchete publicada no dia seguinte ao da prisão:
“TRUMMAN MANDA ESPANCAR ZÉ BODINHO” (naturalmente, entre um problema e outro relacionado com a
Guerra da Coréia, o presidente Harry Trumman reuniu seus principais assessores para tratar do caso Zé Bodinho, o seu terrível inimigo do Ceará).
Mas não é só polícia e política que dão títulos interessantes. Há um de esporte, feito por Armando Nogueira, para uma matéria sobre o jogador Ademir da Guia, no início de sua carreira:
“ADEMIR DA GUIA: NOME, SOBRENOME E FUTEBOL DE CRAQUE” (para quem não sabe, Ademir – do Vasco – foi o artilheiro da Copa de 50, e Da Guia era o Domingos, pai de Ademir, do Palmeiras).
Há uma enorme variedade de assuntos para títulos. Até a Botânica poderia ter contribuído para uma manchete, se fosse aceita a sugestão de
José Ramos Tinhorão, num dia em que o antigo
DIÁRIO CARIOCA estava sem assunto para manchete. Tinhorão descobriu um telegrama informando que cientistas russos, após demoradas pesquisas, conseguiram que um planta florescesse em plena neve, no Círculo Ártico. A manchete sugerida por Tinhorão, infelizmente, foi recusada:
“NASCE UMA FLOR NO POLO NORTE”.