Luiz
Carlos Azenha: “Processos contra blogs são decisões políticas
com o objetivo de intimidar”
Por
Rachel
Duarte, no
portal Sul21
.
Ex-correspondente
da Rede Globo em Nova York, o jornalista Luiz Carlos Azenha mantém
há mais de 10 anos um dos blogs progressistas mais influentes do
Brasil. Recentemente condenado, em primeira instância, a pagar R$ 30
mil ao diretor da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, por suposta
campanha difamatória na rede, Azenha anunciou o fim do Viomundo.
Em entrevista ao Sul21,
ele explica a atitude emocionada e diz que está batalhando para
alcançar recursos para manter-se ativo na blogosfera. Contrário a
ideia de receber verbas publicitárias dos governos, ele defende que
esta desvinculação permite a liberdade de conteúdo crítico.
“Porém, o Viomundo é um blog de esquerda, o que dificulta a
conquista de patrocinadores que queiram se relacionar com o nosso
conteúdo”, fala.
Desde
o resultado do processo judicial, há duas semanas, o jornalista Luiz
Carlos Azenha acabou movimentando uma campanha espontânea de
apoiadores contrários ao monopólio da comunicação no país.
Políticos e militantes utilizaram o caso para criticar a política
do governo Dilma que pouco avançou para um Marco Regulatório das
Comunicações. “A política do governo federal deveria estimular
em todos os campos a diversidade. Porque quando você estimula o a
diversidade, estimula o debate político, e encontra outros caminhos,
alternativas”, afirma o jornalista.
Segundo
ele, com o avanço da internet e da horizontalidade da informação
na rede, as grandes empresas veem o seu modelo de negócio ameaçado.
Este é o principal motivo pelo qual elas optariam pelo caminho da
judicialização a fim de calar as vozes dissidentes. “Se houvesse
opção em debater política, poderia ser exigido o direito de
resposta. O direito de resposta tem que existir na legislação
brasileira. Isto não é regulamentado porque não é bom para a
grande imprensa”, afirma.
Sul21
– Como está a tua vida agora, terá que pagar os R$ 30 mil do
processo judicial ou tem possibilidade de recorrer da decisão? Vai
mesmo fechar o blog Viomundo?
Luiz
Carlos Azenha - Eu
tomei uma atitude emocionada no final de semana em que saiu o
resultado do meu processo. Não vai acabar. Vamos tentar financiar o
blog de outra forma. Como não aceitamos apoio de empresas públicas,
estatais ou governos, nosso nicho de patrocínio em potencial é o
Google e as empresas privadas. Porém, o Viomundo é um blog de
esquerda, o que dificulta a conquista de patrocinadores que queiram
se relacionar com o nosso conteúdo. Criticamos todo mundo. Já
criticamos os governadores Tarso Genro (RS) e Jaques Wagner (BA) em
razão da greve dos professores. Já criticamos o governador Eduardo
Campos (PE) por ter um monte de parentes no governo. Os leilões do
petróleo do governo Dilma também. Já criticamos o governo Lula
pela demissão do ex-diretor geral da Polícia Federal durante a
Operação Satiagraha. Então, é muito difícil eu conseguir um
patrocínio do banco Itaú, por exemplo, se eu coloco na capa do blog
o Requião [o senador Roberto Requião] dizendo que o Itaú paga as
viagens do Fernando Henrique para falar mal do Brasil. Mas eu não
abro mão de denunciar isso. O que dificulta a nossa própria
sobrevivência. Sem falar dos altos custos com advogados. Eu, um
assalariado, tendo que gastar R$ 60 mil para pagar um bom advogado
para me defender das denúncias que faço é outra dificuldade. Eu
faço meu blog de dentro da minha casa. Eu tenho uma rede de
colaboradores interessados em fazer comunicação de forma
independente. Mas não temos assessoria jurídica. Eu sou pessoa
física. O dinheiro do meu salário e o banner do Google é que
sustentam o blog, o que não dá renda para cobrir os custos. Para
avançar, temos que ter financiamento alternativo. Vamos tentar
financiamento junto aos leitores. Buscar parcerias.
Sul21
– Como é passar de ex-funcionário a processado pela Rede Globo?
Luiz
Carlos Azenha -
Eu fui empregado deles durante muitos anos. Comecei minha carreira na
Rede Globo e não faz diferença para mim. Eu poderia ter sido
processado por qualquer outra emissora. Não tem ‘sensação’ em
relação a isso. Ocorreram fatos e existiu uma disputa judicial
porque o diretor Ali Kamel acredita que foi difamado por uma série
de posts que eu fiz. Eram posts relacionados a um determinado momento
político que eu, como testemunha interna da Globo, observei. Assim
como há outras pessoas que trabalharam na emissora que também
observaram que a Globo não teve uma cobertura imparcial nas eleições
de 2006. Dentre eles Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Melo, Cecília
Negrão, Carlos Dorneles e muitos outros que eu não posso citar
porque continuam dentro da Globo.
Luiz
Carlos Azenha - O
que eu acredito que fiz com ele (Ali Kamel) foram críticas políticas
relacionadas aquele momento político em que ele atuava, com certeza,
como chefe da Globo. Embora ele tenha dito no processo judicial —
pelo menos a juíza assim acreditou — que ele era submetido a um
Conselho Editorial. Quem está dentro da redação da Globo sabe que
as determinações eram sempre dadas por ele, seja direta ou
indiretamente.
Sul21
– Além de ti, outros ex-funcionários da Globo, como Rodrigo
Vianna e o Marco Aurélio Mello também foram processados pela
emissora.
Luiz
Carlos Azenha - Foram
cinco processos ao mesmo tempo. Além de mim, foram processados o
Rodrigo Vianna, Marco Aurélio Mello, Luis Nassif e o Cloaca News. O
Paulo Henrique Amorim também foi processado, mas creio que por outro
motivo. Em todos os processos são citados o episódio da homonímia
entre ele e um ator pornô, que de fato existe porque há um filme
onde é creditado o nome Ali Kamel. Este vídeo foi divulgado pelo
Cloaca News, que é um blog satírico. A partir de então, passamos a
fazer piada com o fato adotando o termo ‘pornojornalismo’. Existe
até um livro que fala em ‘pornopolítica’, nós adotamos o
‘pornojornalimo’ de gozação, que é uma das características da
blogosfera. O Ali Kamel é uma figura importante dentro da Globo. Não
podemos dizer que ele não tem importância e por isso nós o
estávamos perseguindo. Quem é o meu blog, o Viomundo, para
perseguir um homem que tem um poder avassalador? Embora na sentença
ele (Ali Kamel) alegue que não seja o diretor da organização de
todas as associadas, é óbvio que uma pessoa com relação direta
com os patrões de uma grande empresa tem pelo menos poder de
influência. Dentro do quadro da Globo, a minha relação com Ali
Kamel foi uma relação de poder. Especialmente na editoria de
política. Tanto que, quando eu fui cobrir uma denúncia contra caixa
2 envolvendo o PT, em Brasília, todas as decisões partiam dele (Ali
Kamel) e eram repassadas a mim por uma mulher. Era uma preposta dele
que eu não vou dizer o nome. Eu sei, por ter visto de dentro, que
todas as questões políticas eram definidas por ele dentro da
redação. Os advogados dele também alegaram que eu fui demitido da
Globo e que por esta razão eu teria um acerto de contas para fazer
com ele. É mentira. Eu pedi rescisão do contrato antecipada em um
ano, abrindo mão de um dinheiro enorme que teria direito, em razão
das ações que estavam sendo tomadas ao longo de 2006. Eu considero
que houve assédio moral contra a minha pessoa quando um preposto do
Ali Kamel me procurou na redação com rádio na mão para que eu
assinasse um abaixo-assinado para cobertura da Globo nas eleições
de 2006. Isso é assédio moral. É o mesmo que o Palácio do
Planalto fazer um abaixo-assinado para que os ministros apoiem a
Dilma. Quem irá assinar contra? Eu não assinei o abaixo-assinado.
Eu não achei a cobertura das eleições de 2006 imparcial e disse
isso ao preposto, que hoje ocupa um cargo importante. Aliás, todos
os que assinaram o abaixo-assinado subiram de cargo. Meu argumento
foi o comentário do Arnaldo Jabor sobre o Lula ser parecido com o
ditador da Coreia do Norte (Kim Jong-il). Eu não considero que o
comentarista de uma emissora, quando faz uma comparação destas, sem
fazer um comentário sobre qualquer outro adversário equivalente,
está sendo imparcial. Ele (preposto de Ali Kamel) disse que não
contava considerar este exemplo porque ‘o Arnaldo Jabor é o nosso
clown’.
Eu acho que vale. As pessoas que estão em casa estão recebendo a
informação igual. Embora eu não tenha participado de reuniões
como meus ex-colegas da Globo de São Paulo que reclamaram
diretamente sobre a parcialidade da emissora, há muitos testemunhos
disso. Eu acabei sendo escalado a fazer uma reportagem que seria de
‘reparação’ a este quadro de imparcialidade que estava sendo
cobrado internamente. Seria uma matéria para esclarecer uma denúncia
atribuída ao governo Lula sobre esquema envolvendo ambulâncias. O
que se descobriu mais tarde é que esta máfia foi herdada do governo
Fernando Henrique Cardoso. Eu dizia no final da matéria que 70% das
ambulâncias distribuídas irregularmente foram distribuídas ainda
durante o governo FHC, quando José Serra era ministro da Saúde. Foi
uma matéria realizada com o esforço conjunto de colegas e fartos
recursos e nunca foi ao ar.
Sul21
– Existem fortes especulações de críticos à Rede Globo,
especialmente na blogosfera, de que há uma intimidação sistemática
para calar determinadas pessoas contrárias a esta orientação
política dentro da emissora.
Luiz
Carlos Azenha -
Eu entrei na Globo em 1980 quando ocorriam as greves do ABC. A Globo
optava em não cobrir estas greves, inclusive nós éramos cobrados
quando estávamos nas ruas. Existia uma orientação interna para não
cobrir as Diretas também, mas existia uma redação composta por
muitas pessoas de esquerda. Isso oxigenava um pouco a emissora. A
diferença entre esta Globo dos anos 80 e a Globo de 2006,
especialmente a do episódio do Mensalão (Ação Penal 470) para
frente, é que houve uma centralização no aquário de um comando
ideológico que não havia no passado. E digo que isso não acontece
comigo na Record, por exemplo. Eu escrevo e coloco no ar. Pode até
causar certa repercussão depois da veiculação. Um grupo de
profissionais revisa o conteúdo, mas nunca altera nada. Na Globo, o
texto ia e voltava totalmente diferente. Às vezes eu não sabia nem
quem tinha mexido. O controle ideológico passou a ser exercido, em
minha opinião, de forma muito maior na Globo de São Paulo. Quando
eu vim para SP, em 2006, cobri a minha primeira eleição
presidencial. Eu acompanhava o candidato Geraldo Alckmin. Eu vi as
coisas acontecerem bem de perto. O Rodrigo Mello e o Marco Aurélio
saíram de lá enxotados. A violência com que eles lidaram com os
profissionais eu não tinha visto em emissora nenhuma.
Sul21
– A blogosfera está crescendo e se consolidando. Existe uma tímida
redistribuição das verbas estatais que também contribui para isso.
Como tu avalias o conteúdo que é produzido pelos blogs?
Luiz
Carlos Azenha - Hoje,
a blogosfera tem muito de reprodução de conteúdo alheio. Não
concordo em você pegar um artigo da Folha de São Paulo, e aí eu
acho que a Folha tem razão de falar que não quer que reproduzam o
conteúdo dela, e apenas reproduzir como uma crítica. A Folha de SP,
assim como outros grandes veículos, também gasta pra produzir o
conteúdo. Eu acho que é uma coisa do passado ficar pegando conteúdo
dos outros e dizendo que fez determinada crítica com o conteúdo
alheio. Creio que chegou o momento em que os blogueiros têm que
produzir seu próprio conteúdo. É o que nós (Viomundo) estamos
tentando fazer, apesar de não termos dinheiro. Eu penso que temos
que fazer uso da colaboração espontânea de conteúdo na rede.
Colaboradores e articulistas nos enviam determinado conteúdo,
cientes de que têm no nosso blog um espaço para influenciar a
opinião pública também. Temos como dar retorno para eles. Enquanto
isso, batalhamos para conseguir uma fonte alternativa de recursos.
Sul21
– O senhor concorda com a ideia de um fundo de financiamento dos
custos para a mídia independente?
Luiz
Carlos Azenha –
Isso surgiu no 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas.
Seria um fundo para defender blogueiros do Brasil inteiro. Os
processados e os ameaçados de assassinato. Porque o campo de disputa
com a grande imprensa é desigual. E eles nos puxam para dentro do
campo jurídico, que é onde somos vulneráveis. É óbvio que o Ali
Kamel não quer discutir política comigo. Se ele discutir ele perde
porque sabe que eu vi as coisas acontecendo dentro da emissora, eu
tenho testemunhas. Ele não quer fazer disso em uma discussão
política. Eu tenho os artigos que ele escreveu levantando dúvidas
sobre o Bolsa Família, que hoje é um sucesso universal. Na
discussão política ele foi derrotado completamente. Então ele leva
para o campo da discussão judicial, onde ele é uma pessoa privada,
mas conta com o apoio da maior emissora da América Latina. E esta
judicialização não acontece só comigo. É um fenômeno que está
se propagando contra os formadores de opinião da rede. É a Globo,
os prefeitos e políticos em geral que vão para este campo. Tivemos
um blogueiro que foi assassinado em São Luís do Maranhão. Existem
situações em que você é, por não ter dinheiro, sufocado na
justiça. Diante da diferença de poder econômico, o poderoso
arrasta você pra dentro do campo em que ele tem vantagem. A
judicialização é uma decisão política que tem como objetivo
sufocar vozes dissidentes, os processos contra os blogs são decisões
políticas com o objetivo de intimidá-los. Se a intenção fosse
debater política, poderia ser exigido o direito de resposta. O
direito de resposta tem que existir na legislação brasileira. Isto
não é regulamentado porque não é bom para a grande imprensa.
Assim, ela faz o que bem entende e passa o rodo em cima de qualquer
um. Como fizeram como Genoino [José] que não teve direito de
resposta em um programa de televisão (CQC). Como não é lei, não
precisam dar o direito de resposta. Quem tem grande vantagem
financeira arrasta a disputa política para processos judiciais e
para asfixiar a blogosfera. Este é o processo que está em curso no
Brasil.
Sul21
– Qual a sua opinião sobre a importância do Marco Regulatório
das Comunicações na democratização da mídia?
Luiz
Carlos Azenha – Neste
debate tem um ponto central que distorce o discurso sobre os
blogueiros.
A
grande mídia
sempre
diz que “o governo está comprando os blogueiros”. Bom, eu não
tenho assunto com o governo. Eles se apegam a exemplos de blogueiros
mais bem-sucedidos e que estão vendendo espaço comercial, o que é
absolutamente legítimo. Entre eles o Luis Nassif e o Paulo Henrique
Amorim. Mas o que está acontecendo é que estão percebendo o valor
da internet. O jornal escrito é uma coisa estática que não permite
a interatividade. A blogosfera responde. E os artigos postados na
blogosfera, na rede, não são de publicação única, como os
jornais. Eles perduram e podem ressurgir em um link tempo mais tarde.
Ou seja, o produto da blogosfera é contínuo. Isso tem muito mais
valor do que o produto estático do jornal, que vai servir para
embrulhar o peixe depois. Existe uma diferença comercial muito
importante que está sendo percebida pelos governos, pela iniciativa
privada e isto gera uma ameaça muito grande para o modelo de
negócios da imprensa tradicional. Por isso atacam a questão dos
financiamentos dos blogs, quando na verdade esses poucos grupos são
os que concentram grande parte das verbas publicitárias. Esse debate
foi erguido para tentar comprometer a blogosfera. Nós enfrentamos e
contrapomos: “querem falar de números, então traz os números
para compararmos quantos bilhões o governo federal gasta com quem na
comunicação”. Os números reais gastos em publicidade pelo
governo federal, na verdade gastos com dinheiro público, significam
80% de investimentos nos grandes grupos de comunicação. Este é
outro debate que não interessa para a grande imprensa. Portanto,
eles estão sendo atacados no modelo de negócios, no desconforto da
revelação da verdade sobre as verbas publicitárias e no
questionamento da opinião pública com o novo modelo de comunicação,
com o qual eles não estão acostumados. Esses barões da mídia do
Brasil, donos dos grandes meios, não estão acostumados a ser
questionados. No modelo antigo de jornalismo se reproduzia conteúdo
e ninguém rebatia. Eles decidiam se reproduziriam uma carta de
resposta ou não. Com o surgimento da blogosfera ficou diferente.
Tudo que se escreve pode ser questionado. Se eu disser uma besteira
no meu blog, eu sou bombardeado imediatamente. É um modelo de
relacionamento com o próprio leitor.
Sul21
– As grandes empresas de comunicação sabem ocupar a internet? O
que pensas sobre a convivência entre blogueiros e grande imprensa?
Luiz
Carlos Azenha -
Elas veem o poder da internet, mas não sabem fazer a internet. O que
acontece na lógica das grandes empresas, mesmo as de esquerda, é
que elas pensam que vão passar para o digital o que está escrito e
para o papel que tudo que está no mundo virtual. Ninguém entende
nada. A internet é outra coisa. A blogosfera, especificamente, é
outra lógica. É bom lembrar que nós ainda estamos no mundo
dominado pela televisão. Todas as ações midiáticas importantes
hoje são dominadas pela televisão. As pessoas assistem muitas horas
de televisão por dia e estão acostumadas com o discurso de
televisão, em que a emoção sobrepõe à razão no Brasil. Na
blogosfera também se preserva um pouco esta relação emotiva. Não
que você se emocione com o leitor, mas no sentido da aproximação
com ele. Você divide muita coisa do seu dia e compartilha coisas
pessoais nas redes sociais (Facebook, Twitter). Você recebe
críticas, dicas de viagens, troca experiências e informações. A
interação da blogosfera permite que você desenvolva com o seu
leitor uma relação de ser seguidor. Ninguém é autônomo. São
pessoas com grande autonomia intelectual, mas que desenvolvem entre
elas um campo de entendimento, isso é a blogosfera. Essa lógica não
está na cabeça dos patrões, porque é uma lógica horizontal. A
lógica deles é hierarquizada e vertical. Na blogosfera, você não
vale pelo seu sobrenome, ninguém se interessa muito por quem você
é, mas pelo que você diz. As pessoas são julgadas na internet pela
qualidade das suas argumentações. Não importa se você é Roberto
Marinho ou Ali Kamel. Se o argumento é fraco, o cara é detonado.
Pode ser o dono do blog, quem quer que seja. Isso é outra coisa que
as grandes empresas também não perceberam. Na verdade, não é
apenas não perceber, elas não podem sobreviver sem a linha
vertical. As empresas de mídia cresceram muito e se associaram a
outros negócios. A verticalização e o controle ideológico são
muito necessários para preservar estes outros negócios. Por
exemplo, a Globo faz parte da associação do agronegócio. Ela tem
negócios de alguma forma relacionados com o agronegócio. E o mundo
neoliberal tem grandes interesses econômicos. As grandes empresas de
comunicação deixaram de ser a mídia apenas no sentido de fazer a
mediação entre as pessoas. E esse modelo vertical de controle
hierarquizado é o que permite ter o chamado pensamento único. Ele é
necessário dentro da redação. Não pode haver distensão. Eu diria
que a margem pra distensão foi diminuída muito. Porque se eu tenho
controle ideológico, a mensagem tem que ser muito parecida. Essa é
a lógica, por isso que existe um confronto ideológico tão forte
quando se fala de blogosfera e de grandes empresas.
Sul21
– A questão do acesso à internet ainda é um desafio no Brasil.
Até que ponto a blogosfera alcança a opinião pública?
Luiz
Carlos Azenha –
Creio que tem um bom alcance. As pessoas enviam conteúdo de graça
para postagem no meu blog, por exemplo, creio que por imaginarem que
terá repercussão. Mais do que a Folha de S. Paulo, que é um jornal
estático. A internet anda por meio das redes sociais. Um bom
conteúdo no meu blog chega a 15 mil compartilhamentos. Se você for
considerar que cada compartilhamento significa que uma pessoa dividiu
com um grupo de amigos, você pode colocar que pelo menos 100 mil
pessoas estarão sabendo daquela informação. Nem que seja metade
disso, uns 50 mil, já será muito mais que um artigo em jornal. Na
internet é muito mais compartilhado e isso determina a audiência.
Sul21
– A expectativa era de que um governo de esquerda pudesse avançar
para um Marco Regulatório. Segundo o secretário-executivo do
Ministério das Comunicações, Cesar Alvarez, o governo não
discutirá isso antes das eleições de 2014. Tu tens uma opinião
sobre o motivo pelo qual o PT não enfrenta este tema?
Luiz
Carlos Azenha -
Eu creio que existe uma disputa interna no governo. Mas eu estou
dando uma opinião. Não tenho amigos no governo ou um deputado de
bolso. Pela minha leitura política há uma divergência forte dentro
do governo em relação a isso. Acho que existe uma confusão criada
deliberadamente pela grande mídia. O debate no Brasil, em minha
opinião, é o que a maioria dos militantes nessa área defende que é
ampliar a diversidade cultural prevista na Constituição Federal.
Para isso, tem que ter um órgão de comunicação local que anuncie
as atrações regionais. O que temos é serviço de mídias regionais
com divulgação para pouco alcance e com grande dificuldade e a
Globo, e outras emissoras maiores, ditando que todo domingo tem que
assistir Domingão do Faustão. Ou seja, há uma centralização da
comunicação e da cultura nos principais centros do país e sempre
dentro dos monopólios da comunicação. A política do governo
federal deveria estimular em todos os campos a diversidade. Porque
quando você estimula o a diversidade, estimula o debate político, e
encontra outros caminhos, alternativas. Acontece que o neoliberalismo
não admite alternativas, especialmente em um momento como esse, de
crise. Ele precisa de acumulação de capital a qualquer custo,
precisa de consenso. Qual consenso permite a acumulação de capital
na Europa, por exemplo, no momento em que eles estão tirando os
direitos judiciais das pessoas para permitir que se salvem os grandes
bancos? É um consenso forçado, principalmente pela mídia. Não é
por acaso que os grandes portais hoje divulgam notícias de senso
comum ou sobre o BBB (Big Brother Brasil). Você não discute os
assuntos essenciais. Os assuntos essenciais, que dizem respeito à
vida, às pessoas e ao país, não são discutidos. Para essa mídia
não interessa discutir, interessa o BBB, o cabelo da Fátima
Bernardes, que a Ana Paula Padrão saiu da Record porque brigou, ou
seja, fofoca. E aí você tem fofoca de tudo, a cobertura política é
cobertura de fofoca. “Será que a Dilma brigou com o Lula?”, isso
não interessa. O que interessa é a política. Creio que não houve
os avanços necessários (Marco Regulatório) porque, de certa forma,
o PT foi contaminado por essa política do neoliberalismo também. O
movimento neoliberal avançou sobre parte significativa do PT, que
quer preservar seu poder político. Estão mais preocupados com o
resultado da eleição do que com a política pública. O Brasil
sempre foi um país assim, um país da chamada modernização
conservadora, em que existe certo consenso entre elites. Então eu
penso que agora, nesse momento específico, embora haja uma disputa
política que aparece na mídia, existe certo consenso de que o
modelo de comunicação do jeito que está, está bom. Mas… na hora
da eleição correm para a blogosfera. Acabou a eleição, correm
para a Globo. Isso é assim há muito tempo.